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MADONNA: Revisitando o Madame X e vendo o nosso fascismo

“Uma nova democracia. As pessoas pensam que eu sou louca. A única arma está em meu cérebro”. (God Control, Madonna)

Por Lucas Bezerra
Acadêmico de Psicologia

Era 20 de Janeiro de 2017 quando Donald Trump tomou posse como o quadragésimo quinto presidente dos EUA. Seu primeiro mandato foi marcado por acordos controversos, encontros polêmicos, a pandemia do covid-19, dentre outras questões. Também no ano de 2017 a cantora Madonna mudou-se para Lisboa. Mãe como ela é, acompanhou o filho David em sua carreira no futebol. A eleição do Trump foi outro grande fator para sua chegada a Portugal. Polêmica, transgressora e controversa. Madonna fez questão de alimentar estes títulos, e em 2019 não poderia ser diferente.

Seu décimo quarto albúm de estúdio, influenciado pela frenesi de Lisboa, foi lançado em Junho daquele mesmo ano. “Madame X”, foi um álbum extremamente politizado ao estilo American Life, e com apenas uma subjetiva diferença notada por mim. O “American Life” denunciava um estilo bizarro de vida americano, enquanto que o “Madame X” denunciava ao mundo o racismo cometido, a violação dos direitos da comunidade LGBTQIAPN+, e a falta de liberdade de expressão em tempos de ascensão do fascismo. Em 2019 o Bolsonaro já estava no poder.

Não quero me aprofundar no conceito de fascismo em suas nuances mais complexas vivenciadas ao longo do desenvolvimento histórico. Madonna cuidou um pouco disso, através da arte. O “Madame X” detém de 15 faixas poderosíssimas. Sua letra é necessária, e sua sonoridade é envolvente. Revisitar o albúm é indispensável para uma reflexão ainda mais aprofundada e até inevitável para aqueles que desejam ter o autoconhecimento.

O álbum traz uma Madonna que canta algumas frases em português, e na faixa “Crazy”, a musicista exclama: “Eu te amo, mas não deixo você me destruir”. Entretanto, quem destruirá a tão preparada e investigativa madame x? Quem será o destruidor? O debate é profundo. A reflexão nos coloca em minúcias. Não é qualquer pessoa que corre o risco de ser destruída, e não é qualquer coisa que será o destruidor. Ambos os pontos, ambos os lados, protagonista e antagonista são a mesma pessoa. Madame X é no fundo uma simbologia para representar nós mesmos. O verdadeiro fascismo começa no reforçador de estereótipos em nós mesmos. Somos totalitários com tudo o que nos ronda, inclusive nossas possibilidades de sermos algo, construirmos algo, e totalizamos nossa vida ao nível de não nos acharmos mais dignos de conduzir nossa existência. Nasce então a figura do “outro”. Político e governo que assumirão o controle por nós e comandará sem qualquer piedade. Pior. O político e/ou governante pode ser qualquer um, menos nós. Pior. O político e/ou governante pode ser uma ideia, um pensamento.

Concordo com a escritora argentina Camila Sosa Villada, quando a mesma fala que a democracia está constituída por pilares fascistas. Se consideramos entre tantas atribuições o fascismo como uma “mão controladora e autoritária”, observamos do que se compõem a estrutura de instituições como a polícia, a escola, a prisão e outros. Tudo é sobre um controle que não aceita que nada saia do lugar, nada lhe escape e nada lhe afronte. O fascismo não é somente uma corrente ideológica, ela é um movimento dinâmico que permeia em governos e na individualidade de cada um.

Essa estrutura autoritária, e que desde mais cedo temos contato ao longo de nossos atravessamentos, alimenta nosso desejo por controlar tudo e todos, principalmente a nós mesmos por meio do julgamento e da punição. Quem nunca se pegou falando “Eu preciso tirar boas notas para não ser punida ou acharem que não tenho inteligência. Eu preciso tomar sempre cuidado com o que como, pois sempre vem alguém que me lembra que estou um pouco acima ou abaixo do peso”, e assim segue uma série de consequências em cima disso. Daqui a pouco, por achar-se feia, você elege alguém com um certo padrão de beleza para seguir, escolhe alguém para admirar por uma inteligência que você vê em todos, menos em si. Essa é a real e danosa marca do fascismo: Não nos fazer observar o quão somos fascistas com nós mesmos, e em decorrência de certos padrões e vícios, elegemos a figura do grande outro para nos representar por qualidades e feitos que suamos para construir em outrem, mas proibido à nossa própria identidade. Em “Looking for mercy”, outra música do Madame X, pergunta-se onde está alguém para ensinar a amar, ensinar a superar, e então busca-se e busca-se, como na atual sociedade onde todos procuram, mas ninguém se encontra.

 “Somos jovens demais para entender como o governo funciona”, assim diz na faixa “I rise”. Pois no fundo, somos jovens não somente para entender com o governo funciona, mas como adquirimos os meios de também funcionar. O danoso fascismo é orquestrado, é ensinado, é ensaiado a partir das proibições que serão levantadas por pautas e bandeiras mais tarde. Deus, pátria e família é o resumo cruel de frases ditas em sua meninice como: “Mulher não pode usar x ou y”, “meninos não podem chorar”, e passado em geração em geração, criar-se-á futuros sujeitos e eleitores, prontos para totalizarem uma estrutura governamental já autoritária. Tudo é político, pois tudo no fim das contas é sobre como nós iremos ser e qual espaço iremos ocupar no Estado.

Liberdade é o que você escolhe fazer com o que foi feito com você
Ninguém pode te machucar agora a menos que você queira (a menos que você queira)
Ninguém pode te machucar agora, a menos que você também os ame (balela!)
A menos que você também os ame
“I Rise, Madonna Madame X”.