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Mal moderno: Isolamento social intensifica sentimento de solidão na pandemia

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Um efeito da pandemia que não tem nada a ver com o coronavírus é causado justamente pela única forma efetiva de combater a doença: o isolamento social. Segundo estudos recentes, a solidão já é algo que se observa de forma intensificada em diversos países, com impactos psicológicos, socioeconômicos e, também, políticos.Mesmo quem já morava sozinho e tinha uma boa relação com momentos de isolamento, a pandemia mostrou desafios ainda maiores. É o caso da consultora pedagógica Jéssica Soares, que mora sozinha há sete anos, mas sentiu os efeitos do isolamento por conta da impossibilidade de ter interações reais com as pessoas. Muitas vezes, o ambiente online não basta.

“Sempre gostei muito de morar só. A diferença é que sempre tive uma rotina muito agitada durante o dia, trabalho na área da educação, então estava sempre em contato com muita gente o dia todo. Agora com o isolamento essa é a parte mais difícil, me acostumar a não ter interação com as pessoas”, afirma.

O cenário preocupa. Não é de hoje que países vêm levantando dados sobre solidão, a partir de metodologias diferentes. Os dados mostram que, na Europa, 18% da população se diz “socialmente isolada”, e 7% “solitária”, segundo a análise do European Social Survey de 2019, o que corresponde a 30 milhões de europeus. Na Austrália, 27,6% se sentem sozinhos; no Canadá, 23%; na China, 28%.

Sem dados compilados, no Brasil também é possível dimensionar o fenômeno por exemplos. Jéssica lembra que está no terceiro mês de isolamento, quando a rotina de viagens a trabalho que eram frequentes – chegando a passar por três estados em uma semana – deram lugar ao home office.

“Não estou saindo nem para ir ao mercado porque peço tudo por aplicativo. Então é uma rotina muito solitária. Final de semana passado, eu percebi que passei o sábado e o domingo sem falar nenhuma palavra. No começo, eu estava me sentindo extremamente solitária, tive várias crises de ansiedade. Mas voltei para a terapia e tem ajudado bastante. Às vezes quando bate a solidão eu vou no grupo das minhas amigas e a gente se ajuda”, relata.

Além das amigas, o próprio trabalho também tem ajudado a lidar melhor com o período de isolamento com horários mais flexíveis, chamadas de vídeo semanais para todo mundo conversar e interagir, além de um plano de consultas gratuitas com uma rede de psicólogos online. Mas o período de maior isolamento tem deixado lições importantes. A jovem destaca, por exemplo, que o fato do isolamento ter arrefecido a rotina intensa de trabalho, ela consegui se perceber mais.

“Ficar todos os dias em casa comigo mesma fez eu aprender a me cuidar e a me conhecer mais. Fez eu ver que tempo pra cuidar de si às vezes é questão de prioridade. Uma das melhores coisas e que vou manter é ter voltado pra terapia”, finaliza.

“Podemos estar solitários sem estarmos em sofrimento”, destaca psicóloga

Aprender a lidar com o período de isolamento social sem sofrimento é o grande desafio proposto em diferentes níveis para muitas pessoas nesta pandemia. Segundo a psicóloga Maria Claudineia, aprender a estar sozinho sem que isso seja deflagrador de problemas emocionais é um ponto importante à medida que as pessoas percorrem o seu desenvolvimento pessoal.

“Como somos únicos e vamos ao longo das nossas vivências significando o que nos acontece, podemos desenvolver uma maior ou menor capacidade de estarmos solitários sem, contudo, estarmos em sofrimento por tal condição”, avalia.

Isso porque a grande questão é que a solidão, apesar de ser algo sentido a um nível universal, é ao mesmo tempo complexa e única a cada indivíduo.

“Temos que observar a intensidade com que a pessoa vivencia a experiência de estar sozinho: se tem o sofrimento, o acompanhamento psicológico profissional é fundamental. Mas, na prática, conforme a realidade que ela está, a pessoa também pode estar se conectando com as pessoas que ela gosta, se não pode pessoalmente, de forma interativa”, explica.

A psicóloga orienta que é o momento de começar a perceber as pequenas coisas que acontecem ao nosso redor e, como rotinas simples, como saborear uma comida, pode ser algo a ser valorizado.

“Antes não dava tempo para valorizar as pequenas coisas da vida, mas este é o momento do autocuidado. No final de tudo, temos que aprender a desenvolver a gratidão, que é cientificamente comprovado que ser grato têm um impacto positivo na nossa vida”, afirma.

Para Claudinéia, nesse momento, manterse calmo e centrado é fundamental.

“Quanto mais mergulhamos em nós mesmos e descobrirmos quem somos e nos apropriamos da nossa individualidade de forma consciente, conhecendo os nossos limites e potencialidades, muito mais estaremos aptos a nos relacionarmos com os outros de forma harmônica e assertiva”, finaliza.

A falta do contato físico

A pesquisadora Tiffany Field fundou na Universidade de Miami, Estados Unidos, o Instituto de Pesquisa do Toque. Um estudo encaminhado pela instituição mostra que 26% dos sujeitos de pesquisa dizem que a quarentena fez com que sentissem muita falta de contato, enquanto 16% afirmaram sentir uma falta moderada.

No entanto, 97% relataram problemas para dormir. Para a pesquisadora, a abrangência desta dificuldade do sono é ligada à falta de serotonina, um dos hormônios cujos níveis aumentam quando tocamos e somos tocados.

Na entrevista que concedeu à Wired e que foi destaque, no Brasil, no site El País, a que pesquisadora destaca que carícias, abraços e outras formas de contato aumentam nossas Natural Killers (células essenciais em nosso sistema imunológico), por isso algumas publicações deduziram que a falta de contato reduziria nossas defesas. Mas Tiffany Field explica em sua entrevista que exercícios como ioga e caminhada movem nossa pele e produzem atritos que ativariam o organismo.

Por: Glenda Uchôa