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Picos, o Mel e Trump

Quis saber quem sou
O que faço aqui
Quem me abandonou
De quem me esqueci
Perguntei por mim
Quis saber de nós

(E depois do adeus, José Niza)

A Central de Cooperativas Apícolas do Semiárido Brasileiro (Casa Apis) informou no último dia 12 de Julho, que um cliente dos Estados Unidos cancelou uma compra de 95 toneladas de mel orgânico produzido no sul do Piauí. A princípio, a Casa Apis está localizada no município de Picos. A notícia se encontra no portal “G1 Piauí- TV Clube. Segundo a apuração da mesma notícia, os Estados Unidos consomem 80% do mel produzido no Brasil. Em 2024, o Piauí liderou o ranking de maior exportação de mel para o país, muito embora não tenha sido o maior estado produtor. Dias depois, produtores brasileiros conseguiram sensibilizar clientes dos EUA e cargas foram liberadas para lá. Ufa. Passamos pelo sufoco, por enquanto.

Trump sempre se colocou como o dono do mundo, mas não qualquer mundo e não com qualquer residente do mesmo. É o mundo planejado e construído por ele, onde a lei é regida e aplicada por ele. Aliás, o mundo é ele e tudo tem que estar para ele. Tragédia shakespeariana. E aqui está um dado bem conhecido por nós, acerca de como o fascismo se manifesta: O fascismo sempre será um movimento narcisístico, e esta manifestação é alimentada pela força autoritária, por cúmplices convenientes para a situação, e com uma retórica irresistível. É a dialética negativa colocada em teoria por muitos filósofos. Ou seja, todo ato, por mais maléfico que seja para o outro (não importando se são pessoas ou nacionalidades), é para a salvação de algo, de outro grupo de pessoas que não estão na mira totalitária. Assim Trump se manifesta, assim a família Bolsonaro também se manifesta e usam-se conforme a situação pede. O fascismo é dinâmico e não é sempre linear. Possui atravessamentos e labirintos que poucos conseguem adivinhar.

Como explicar o apoio de muitos brasileiros às medidas do Trump contra seu próprio país? Simples; todo ato fascista flerta com as condicionantes inconscientes que temos, e com toda a nossa pressa por satisfação imediata. Apoiar atos como este, desperta em algumas pessoas uma ideia que é mais ou menos assim: “Eu sou tão inteligente, que somente minha pessoa consegue entender o bem que esta medida pode trazer”, ou então: “é necessário fazer um sacrifício para algo maior lá na frente”. Fascistas são megalomaníacos, e chamam num convite quase que erótico outros indivíduos a pertencerem nos quadros heroicos de uma história que só faz sentido para quem participa desse neuroticismo obsessivo coletivo. Nos desenhos animados, o herói luta e se sacrifica em prol de uma pessoa e/ou valor moral. Na vida real, pessoas assim se sacrificam em prol de um projeto que transparece cada vez mais o que estava recalcado dentro de si. Nada melhor para um racista, por exemplo, que apoiar sujeitos e governos que fomentam o racismo. Nada melhor para alguém que se ache superior a tudo e a todos, que apoiar sujeitos e governos que construam muros, aniquilem quem pensa diferente, e expulsam para bem longe quem tem uma cultura, considerada inferior.

Não falo da família Bolsonaro ou até mesmo de Trump isoladamente. Não. Falo deste modelo autoritário no seu sentido amplo e geral, pois pessoas e/ou governos fascistas têm o mesmo modus operandi: A chantagem serve como negociação. A ameaça serve como medida de força, e cada declaração ou comando dado, serve como uma forma de demonstrar não somente poder, mas como garantia que este mesmo poder não sairá completamente daquilo que alimenta as perversões mais sórdidas de seus fiéis seguidores. A luta é árdua neste vale de lágrimas. Precisamos enfrentar progressivamente. Concordo com Erasmo Carlos: “É preciso dar um jeito meu amigo”.