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Professor de contabilidade e administração faz análise sobre a economia brasileira pós pandemia

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O professor dos cursos de contabilidade e administração da Faculdade R.Sá, Hélio Nunes Ferreira, faz uma análise de como ficará a economia nacional após o fim da pandemia do coronavírus. Muito se tem discutido sobre o assunto e o professor, que também é bancário e possui especializações em finanças, investimentos financeiros e planejamento financeiro pessoal, discorre sobre a situação que impactou as vidas de todos, desde as medidas adotadas pelos governos até o que se pode esperar para o futuro.

O texto é de autoria do professor.

ECONOMIA: O DIA SEGUINTE À PANDEMIA

Ainda é prematuro dimensionar o tamanho do impacto provocado pela pandemia do novo corona vírus na economia brasileira. Até porque esse impacto não se dará apenas durante o período de isolamento social que atinge vários estados e municípios brasileiros. Muitos efeitos econômicos se estenderão para o pós controle de disseminação do vírus, e isso irá impactar significativamente as já abaladas finanças públicas. O impacto fiscal inicia-se com o próprio enfrentamento da pandemia. Os poderes legislativo e judiciário agiram no sentido de autorizar o executivo federal a realizar os gastos necessários ao enfrentamento da pandemia, instrumentando-o de mecanismos legais que permitam realizar tais gastos, sejam diretos pela União, sejam através de repasses a estados e municípios.

O governo federal ainda adotou uma série de medidas visando diminuir o impacto na renda daquelas pessoas que tiveram seus ganhos zerados ou reduzidos em razão das medidas de isolamento social. As medidas atingem algumas categorias de trabalhadores e empreendedores e terão impacto direto na elevação das despesas da União. São ações necessárias, pois se trata de uma situação inusitada, onde a quase paralisação da atividade econômica colocou muitos cidadãos em situação de extrema vulnerabilidade.

Antes da pandemia, a chamada meta fiscal da União para 2020 projetava um déficit primário de R$ 124 bilhões. Significa que após somar toda a arrecadação de impostos e pagar as despesas (sem incluir juros) ainda iriam faltar R$ 124 bilhões!  Lembrando que isso era antes dos efeitos da pandemia. Com os gastos relativos às medidas de combate ao novo corona vírus, associadas às demais medidas econômicas para garantir renda mínima aos mais vulneráveis, além dos gastos que virão para estimular a retomada do crescimento econômico, esse déficit vai se multiplicar de maneira acentuada. Alguns economistas já mencionam a cifra de R$ 500 bilhões. Se o rombo será maior, os próximos meses mostrarão.

A União tem poder bem maior que os demais entes federativos para conseguir dinheiro. O governo federal pode lançar mão de três mecanismos para isso, comumente citados em livros básicos de economia. São eles: aumentar impostos, tomar dinheiro emprestado (endividamento) e emitir moeda (“fabricar” dinheiro). Os estados e municípios, por sua vez, tem maiores limitações. Podem aumentar impostos, todavia seu poder de endividamento está limitado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), promulgada há vinte anos.  A  LRF também proíbe (acertadamente) estados e municípios de emitir títulos públicos (uma forma de endividamento sem recorrer a empréstimo bancários diretamente). A prerrogativa de emitir títulos públicos hoje é exclusiva da União.  Quanto a “fabricar” dinheiro somente a União tem competência para tal. Sobra a estados e municípios apenas o aumento de impostos, com menos amarras legais, para conseguir recursos financeiros extras.

A paralisia das atividades econômicas durante o isolamento e a consequente lentidão na retomada da economia após a pandemia, trará enorme queda de arrecadação para estados e municípios. Arrumar dinheiro com aumento de impostos, portanto, torna-se inviável. Quem poderá socorrê-los? A União. Cabe lembrar que vários dos estados brasileiros já se encontravam em dificílima situação financeira bem antes da crise provocada pelo corona vírus. Alguns estados chegaram inclusive a fazer pagamento parcelado de seus servidores. Vão precisar de muito diálogo com a União e o parlamento central no sentido de encontrar uma solução para seus problemas econômicos anteriores à crise atual e os dela decorrentes.

Quando as atividades econômicas voltarem à normalidade, haverá portanto um colossal desafio do ponto de vista econômico para toda a nação. O índice de desemprego que antes da pandemia situava-se na casa de 11% da população economicamente ativa tenderá a se elevar (infelizmente) de forma expressiva. Vários segmentos econômicos terão queda no seu faturamento em relação ao período pré-pandemia. A situação vai exigir um esforço maior, principalmente do governo federal no sentido de estimular a atividade econômica Esses estímulos implicarão em mais gastos por parte do governo que terão como consequências aumento imediato do déficit e elevação da dívida pública. Esta última fechou fevereiro em R$ 5,6 trilhões equivalentes a 76% do PIB (Produtos Interno Bruto) que é a soma de tudo o que é produzido no país em um ano. Cabe aqui lembrar que o país tem feito um esforço nos últimos anos para evitar que essa dívida ultrapasse 80% do produto. Foi aprovada uma emenda constitucional que limitou o gasto público por dez anos, bem com alteração nas regras das aposentadorias através da reforma da previdência. O limite de dívida pública em 80% do PIB é considerado por especialistas como sustentável para um país emergente, como é o caso do Brasil. Isto é, até esse patamar a dívida é considerada administrável através de sua rolagem. Rolar a dívida é tomar dinheiro emprestado para pagar aquela que está vencendo agora, jogando o vencimento para o futuro, uma prática econômica usual dos países.

É grande a missão econômica que o governo federal terá pela frente e num cenário de extremas limitações fiscais, motivadas pelo déficits persistentes desde 2014 (que será elevado neste ano pelo crise do corona) e forte aumento da dívida pública. O economista e ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwarstman acredita que a dívida pública subirá para a casa dos 90% do PIB ao final de 2020. Já o economista Paulo Tafner é ainda mais pessimista, para ele a dívida pode chegar em pouco tempo a 100% do PIB. Tafner faz essa analise levando em conta o fato de que o PIB terá acentuada queda no ano em curso, e como a dívida aumenta o índice piora. Algumas projeções chegam a mencionar queda de 8% do PIB no corrente ano. Também ainda é cedo para uma projeção mais acertada, mas para efeito de comparação, na última crise econômica a maior queda anual do PIB brasileiro foi de 3,35% em 2015.

O caminho será árduo para os próximos anos, pois o país terá que fazer com que as medidas de estímulo surtam os resultados esperados de reativação da economia, ao tempo em que terá que administrar uma dívida que se elevará a nível sem precedentes na história recente em relação a seu PIB. Nessas condições é provável o aumento de carga tributária (aumento de impostos) num futuro não muito distante. Ganharão mais força os argumentos de necessidade de mudanças estruturais que promovam maior contenção dos gastos correntes (os gastos para manutenção do governo funcionando). A necessidade das tão mencionadas reformas voltarão ao debate nacional com mais intensidade. Um aspecto importante nisso tudo, é que parece consenso entre os economistas de que o Brasil precisa ter uma maior transparência com relação a esse aumento pontual de gastos públicos, de tal forma que sua expansão limitem-se ao combate da pandemia e aos efeitos econômicos negativos por ela gerados, o que pode criar uma certa barreira para evitar que outros gastos sejam majorados sem a correspondente contrapartida de receitas. A sociedade terá que se envolver mais nessas questões visando manter debates com viés menos ideológico e mais centrado no realismo dos fatos. E que no final das contas, além do controle o mais rápido possível da disseminação do vírus, seus efeitos econômicos negativos sejam melhor equalizados.

Hélio Nunes Ferreira é graduado em Administração e Ciências Contábeis, com especialização em finanças, bancário, professor, especialista em investimentos financeiros e planejador financeiro pessoal CFP®