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Da resistência à fartura: conheça a história de Deuzinha e Raimundo César

Maria Joana da Silva (67) e Raimundo Gomes da Silva (72). Foto: Maria Dagmar

Por Maria Dagmar
Acadêmica de Jornalismo da Faculdade R.Sá

O semiárido brasileiro apresenta vários meios de sobrevivência, ao contrário do que muitos pensam, ele possui riquezas naturais e sertanejos que conseguiram subir na vida mesmo morando em lugares distantes da cidade. Apresentamos aqui a história de um casal de agricultores que sempre viveu na roça e que mesmo com todas as dificuldades nunca abdicou de viver no sertão.

História do casal

Maria Joana da Silva (67) mais conhecida como Dona Deuzinha, e Raimundo Gomes da Silva (72), mais conhecido como Seu Raimundo César, sempre tiveram uma vida simples. Nasceram no Povoado de São Nicolau, que hoje em dia se tornou o município de São Miguel do Tapuio, a 190 km de Teresina- PI e a 137 km da cidade de Valença do Piauí. Vieram morar em Valença no ano de 1982, no interior chamado Furnas, que fica na BR 316 sentido Teresina-PI, a 7 km da cidade. Passaram por muitas dificuldades, principalmente quando resolveram sair da sua cidade natal para buscar melhores condições de vida. Naquela época, não contavam com energia em casa, tudo funcionava a base de lamparinas ou lampiões, como a própria dona Deuzinha faz questão de relembrar: “Na nossa época nada era tão fácil assim, não tínhamos energia e quando faltava o óleo para as lamparinas era um sufoco”,recorda.

Ela nos conta que depois tiveram que sair do lugar em que moravam (Furnas), porque viviam ali de favor, logo passaram muito tempo se mudando. Com o que adquiriram na agricultura, conseguiram comprar uma propriedade. Primeiro construíram uma pequena casinha, no mesmo interior onde vivem agora, no qual residiram por 13 anos. Com o tempo a casa começou a se deteriorar, segundo Seu Raimundo, era tempo de economizar e fazer outra casa.

  “Foi mais um perrengue daqueles, porque era pouco o dinheiro que eu consegui juntar, não dava pra construir tudo, então fui fazendo aos poucos, como você pode ver, estou aqui a 5 anos e nem reboquei ainda, como a outra estava realmente caindo aos pedaços tivemos que vir pra cá mesmo com ela inacabada.’’ Concluiu.

O que cultivam

Seu Raimundo se orgulha do que construiu ao longo dos anos, hoje em dia eles possuem de tudo um pouco; na agropecuária eles têm galinha, porco, gado, bodes e na agricultura é uma lista enorme: plantam milho, urucum, feijão, melancia, banana, laranja, cupuaçu, jaca, castanha do pará, dendê, abacate, abacaxi, caju, pequi, pitanga, jabuticaba, limão, pimenta do reino, mandioca, côco, tomate. No total eles possuem 90 hectares de terra. A propriedade fica na área São Bento, chamada Fazenda Milagre.  “No início comecei vendendo porque precisava do dinheiro para construir a casa, mas nunca fui muito de vender o que cultivo, hoje em dia é tudo para a subsistência, trouxe muitas sementes de fora para cultivar aqui, a terra é muito boa, como um dos meus filhos mora no Pará, sempre que vou lá trago uma semente diferente, por enquanto está dando tudo certo.’’ Diz o Seu Raimundo.

E quando o período chuvoso termina?

No período do inverno, que para os sertanejos é quando chove, eles aproveitam para plantar o milho, feijão entre outros. Fica tudo verdinho e enche o coração dos agricultores de esperança. Depois começa o tempo seco, o verão como conhecemos aqui. Seu Raimundo nos conta que nesse período é preciso colocar água nas plantações de frutas para que não morram. “Antes era mais complicado porque como é muita plantação, a conta de água vinha muito cara, foi aí onde vi a necessidade de mandar fazer um poço tubular, desde então não pagamos mais a conta de água, só de energia.’’ Explicou.

Educação dos filhos e dificuldades

O casal tem 6 filhos, quatro deles nasceram quando chegaram em Valença, logo foram correr atrás de colocar os mais velhos na escola. Dona Deuzinha nos conta que esse foi um dos maiores desafios que encontraram aqui. “Foi muito difícil porque quando chegamos aqui, nos incentivaram a colocar eles na escola, que o prefeito mandava o transporte para ir buscar e deixar, até aí tudo bem, parecia que ia dar certo. […]. No início até que teve rumo, mas com o tempo começou a ter a disputa entre o estado e o município. Disseram que o transporte tinha que ser diferente, só sei que aos poucos o carro foi deixando de ir buscar eles, ia somente dois dias por semana, um dia. Foi um descaso muito grande.’’ Afirmou. Ainda segundo Dona Deusinha, foi um tempo de desespero porque eles não tinham condições de pagar o transporte e era muito longe para irem a pé, sem contar que tinha a BR, então era muito perigoso.

Passaram um tempo sem estudar, cresceram e decidiram ir embora, alguns moram na cidade de Valença, outros em outro estado. Atualmente reside no interior apenas o casal, o pai da Dona Deusinha e uma neta. Seu Raimundo relata que mesmo tendo passado por todas essas dificuldades, agradece por tudo, soube dar uma boa educação para os filhos, e mesmo que eles não estejam todos juntos hoje, sempre que precisam, estão ali para ajudar.

Acompanhamento médico

Outra realidade que mudou para as pessoas que moram na zona rural foi o acompanhamento médico, sabemos que antes isso não era tão fácil assim, não tinha agente de saúde, médicos, o descanso era muito grande, principalmente nessas áreas mais distante da cidade. Mas o cenário mudou, como afirma a dona Deuzinha: “Na minha época só os ricos tinham médicos, tudo era diferente, meus filhos por exemplo, nasceram em casa sem nenhum acompanhamento, exames, nem nada disso.  Mas agora temos a agente de saúde que vem aqui todos os meses, marca consulta pra gente, tá mil vezes melhor.’’ Concluiu.

Relação com o sertão

O sertanejo de raiz é aquele que nasce no sertão, se cria, forma família, traz o sustento para dentro de casa. Planta, cria animais e procura uma maneira mais fácil de se viver ali. São engenhosos por natureza. Como nos conta o Senhor Raimundo César, que nunca quis sair do sertão. Oportunidades até que apareceram, os filhos cresceram, tiveram mais oportunidades na vida. ‘Nossos filhos estudaram, alguns se formaram, diferente de nós que nem leitura temos, já nos chamaram para ir viver na rua, ficar mais perto deles, de um hospital se precisar, como já estamos ficando para a idade, eles se preocupam muito com a nossa saúde. Mas jamais deixo o meu sertão, aqui eu tenho meu arroz, feijão e todo tipo de fruta que você imaginar, tenho tranquilidade, muito diferente da cidade. Não troco a vida que levo por nada nesse mundo”, enfatizou.

Conclusão

Como podemos ver, o sertão pode sim oferecer qualidade de vida diferenciada, até melhor do que em alguns centros urbanos por aí. Os agricultores precisam de oportunidades, pois eles já sabem como vencer cada período no sertão.

Disciplina: Jornalismo Contextualizado com o Semiárido
Professora: Lana Krisna
Fonte: http://www.faculdadersa.com.br/vemverosemiarido