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Padre Albino: 44 anos de evangelização e ação social nos municípios do centro Sul do Piauí

Legenda: Padre Albino no Centro Paroquial de Ipiranga no ano de 1977. Foto: Acervo pessoal de Maria Helenita.

Por Daiane Rufino Leal

Perfil biográfico publicado originalmente no livro “Ipiranga 60 anos: história, memória e cultura de um povo”.

Quando chegou em Ipiranga do Piauí, no ano de 1967, José Albino de Carvalho Mendes era um homem jovem de 35 anos de idade e o Ipiranga foi a terra onde ele realizou o seu sonho e sua vocação: atuar como padre. Albino já conhecia a região das idas com os seus alunos, que participavam das partidas de futebol no antigo campo de areia da cidade. Nestas visitas, ele gostou do lugar e ao relembrar dos porquês de ter ido viver em Ipiranga, disse seguramente “Ipiranga foi uma escolha”. E sobre o significado desta cidade em sua vida, ele exclamou “Ipiranga, para mim, foi o ponto central de minha vida de padre”.

A escolha de Albino por Ipiranga se deu no final dos anos de 1960 quando ele estava em Picos atuando na formação de jovens e o bispo o deu possibilidades de ser vigário nas cidades de São José do Peixe, Itainópolis, Ipiranga ou Santa Cruz do Piauí. Ele relembrou com carinho desta escolha “Eu simpatizava muito com Ipiranga, porque eu levava os alunos para passearem em Ipiranga, lá onde é o ginásio, hoje, era um campo de futebol, levava eles para competições, então, peguei amizades e quando o bispo me falou do Ipiranga, outro aspecto que me conquistou muito foi a centralização da cidade, Ipiranga ficava entre Picos, Oeiras e Valença, cidades de bom porte e eu não iria ficar tão isolado, pois lá tinha facilidade de transporte e eu não ia ficar sem comunicação. O ano era 1967, esse acontecimento ocorreu, no mês de março de 1967, quando eu deliberei que aceitava a criação da Paróquia de Ipiranga”.

José Albino de Carvalho Mendes foi o primeiro vigário da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, estando à frente da Igreja Católica dos municípios de Ipiranga do Piauí, Santa Cruz do Piauí, Dom Expedito Lopes e, posteriormente, Wall Ferraz, por 44 anos. Entre os anos de 1967 a 2011, o Padre Albino dedicou-se, por quase meio século, ao povo desses municípios, em um trabalho de evangelização, mas também de forte atuação social, ajudando a população a superar o flagelo e a miséria e ainda erguendo capelas e estruturando ações pastorais nos centros dos municípios e nos povoados rurais.

Padre José Albino de Carvalho Mendes no Jubileu Sacerdotal, quando celebrou sua primeira missa na cidade natal, São José do Peixe, em 10 de dezembro de 1961.
Foto: Acervo pessoal do Padre Albino.

FORMAÇÃO – Padre Albino nasceu em 15 de setembro de 1932 no município de São José do Peixe, no Piauí. Quando jovem, a casa de seus pais abrigava o vigário de Oeiras que ia celebrar em sua cidade, aquele hóspede e também as práticas religiosas dos pais, motivaram a vocação eclesial em Albino. “Outra coisa que me incentivou muito à vocação, foi o espírito religioso dos meus pais, sobretudo, de minha mãe. Ela tinha o hábito de rezar o terço todo o dia à noite, o meu pai rezava também e, aos sábados, era ele quem dirigia o terço”, recorda.

A família saiu de São José do Peixe e foi residir em Floriano, cidade em que Albino passou a ajudar como acólito na Igreja, sendo contemporâneo de Augusto Alves da Rocha (futuro bispo Dom Augusto). Nessa época, Albino percebeu sua vocação para o sacerdócio e pediu auxílio para o vigário geral da Diocese do Piauí, que o atendeu e providenciou que ele fosse para o Seminário, em Teresina. Na capital, fez o seminário menor, começando na praça Saraiva e terminando no prédio João Paulo VI. Depois de Teresina, ele continuou a estudar em João Pessoa e, depois, em Fortaleza. Na capital cearense, Padre Albino fez o curso de Filosofia, durante dois anos e o curso de Teologia, por quatro anos, quando foi ordenado padre por Dom Antônio Lustosa, que era o arcebispo de Fortaleza.

ATUAÇÃO NA CIDADE DE PICOS – Após a ordenação, Padre Albino foi designado para a cidade de Picos com a missão de criar um estudo específico de Seminário que tomou o nome de “Pré-seminário”. A escola foi instalada no bairro Junco, numa área chamada Cata-vento. “A escola foi instalada em um antigo alambique, que tinha lá de uma família que fez a doação do terreno para instalar esta escola. Era por isso que tinha o nome de Cata-vento, porque tinha um cata-vento para fornecer água para o trabalho deles”, explicou.

 Nesta escola, onde o Padre Albino era o diretor, ele chegou a cuidar da educação de mais de 70 jovens. Além da atuação neste “Pré-seminário”, Albino também foi vigário cooperador da paróquia de Picos, Nossa Senhora dos Remédios, junto com Dom Joaquim Rufino do Rego. Ainda em Picos, ele assumiu o ensino religioso em todas as escolas do município de Picos, lecionando no Ginásio Picoense. A educação religiosa foi, portanto, o ponto central da atividade do Padre Albino naquele município.

CRIAÇÃO DA PARÓQUIA – A paróquia Nossa Senhora da Conceição foi criada a partir do desmembramento da Paróquia de Nossa Senhora da Vitória, sediada em Oeiras, por meio de decreto, assinado pelo bispo diocesano Francisco Edilberto Dinkelborg Ofm e pelo vigário geral monsenhor Leopoldo Portela Barbosa, membros da Cúria Diocesana de Oeiras, em 15 de setembro de 1967 e a instalação da paróquia e posse do padre se deram, no dia 1º de outubro do mesmo ano. O ato burocrático consolidou a empreitada que a comunidade já lutava há alguns anos.

 Conforme o “Termo de instalação da Paróquia”, estiveram presentes no evento de instalação e posse do primeiro padre de Ipiranga, além do vigário geral monsenhor Leopoldo Portela Barbosa; o monsenhor Mateus Cortez Rufino, o representante do arcebispo metropolitano de Teresina, Dom Avelar Brandão Vilela; vários sacerdotes; o prefeito municipal de Ipiranga, Francisco de Assis Moura; os vereadores de Ipiranga e representantes dos poderes constituídos dos municípios de Oeiras, Picos, Floriano, São José do Peixe, Dom Expedito Lopes, Santa Cruz do Piauí e “grande multidão de fiéis”.

 A paróquia continuou vinculada à diocese de Oeiras, até início dos anos de 1970, quando o bispo Dom Augusto assumiu a igreja em Picos e a paróquia de Ipiranga passou a pertencer a Diocese de Picos.

CONSTRUÇÃO DO CENTRO PAROQUIAL – No ano de 1967, Ipiranga era um município com apenas cinco anos de emancipação política, ainda com paisagem rural e pouco saneamento e infraestrutura. Havia o prédio da Igreja, que até então era uma pequena capela, erguida por volta do ano de 1907, e uma casa velha ao lado. “Não tinha benefício nenhum, não tinha muro, era uma cerca de madeira, um banco de areia terrível, da casa paroquial para a igreja era um banco de areia, que carro não encostava nem lá, porque atolava e tinham duas árvores na porta da Igreja e a igrejinha bem pequena, bem pequenina mesmo, mas muito boa”, descreveu Padre Albino.

Nos primeiros anos, o Padre Albino, com a ajuda da comunidade, ergueu uma casinha de palha para fazer as reuniões, local que todos chamavam de galpão. Posteriormente, o Padre Albino promoveu articulações com entidades internacionais e conseguiu recursos da Alemanha para a construção de um centro de treinamento, denominado depois Centro Paroquial. Sobre este feito, o Padre Albino relatou “Tinha o padre Otto, que era um alemão, que morou em Paulistana, durante muito tempo, se juntou com as freiras, que moravam em Oeiras, as irmãs missionárias de Jesus Crucificado, então vieram em Ipiranga dar um curso de catequese e viram a dificuldade que eu tinha. Então, ele conversou comigo: vamos fazer um projeto! Eu não sabia fazer o projeto, mas eu tinha alguns amigos na Alemanha, colegas meus de seminário, então nós fizemos um projeto e eles aprovaram, então o prédio do Centro Paroquial foi construído com dinheiro da Alemanha, que esses seminaristas conseguiram”.

Ações sociais e ajuda de Irmã Dulce

Ao longo de 44 anos de serviços prestados ao Ipiranga, as contribuições do Padre Albino são inúmeras. Poliglota, homem instruído e educado, viajou o Brasil e fez contatos com religiosos de vários lugares para conseguir roupas e remédios para a população de Ipiranga, que, similar à realidade do país no período anterior à redemocratização de 1988, não tinha acesso à aposentadorias e outros benefícios sociais, vivendo na fome e na miséria, agravadas também pela seca.

 Entre as ajudas que conseguiu, uma se mostra bem simbólica: a cooperação dada pela freira Irmã Dulce, da Bahia, hoje Santa Irmã Dulce dos Pobres, canonizada pelo Vaticano, no ano de 2019. A cooperação se deu quando, em viagem a Salvador, Padre Albino pediu ajuda de Dulce e ela permitiu que parte dos remédios que havia chegado à Bahia em um navio vindo da Itália fosse doado aos pobres de Ipiranga.

 Ao retornar a Ipiranga, Padre Albino procurou Benedito de Carvalho Sá, conhecido como B. Sá, que, na época, era estudante no curso de Medicina e estava passando férias em Ipiranga, na casa da tia, Elisabeth de Carvalho Sá Lopes, para ajudar na assistência aos doentes de Ipiranga. B. Sá se dispôs a colaborar, mas precisou da ajuda do Padre Albino para traduzir as embalagens e bulas dos medicamentos que estavam escritas em italiano.

 Em outra ocasião, viajando para São Paulo, Padre Albino conseguiu doações de carretas de gêneros alimentícios e roupas para o povo. Noutro momento, conseguiu redes com um amigo dono de uma fábrica em Fortaleza. O material foi doado aos homens que trabalhavam na construção da BR 316 e dormiam no chão.

Além da doação de roupas e medicamentos, Padre Albino ajudou no setor de saúde pública promovendo cursos de capacitação para as parteiras. “Eu promovi o primeiro curso com parteiras ajudado pelo doutor Warton Santos e a doutora Maristela, que era lá de Pio IX, que tinha um irmão dela que estudava comigo no Pré-seminário e eu fiz o conhecimento com ela. Aí, eu fui procurar o doutor Warton, que era muito amigo meu, para melhorar a situação dessas cachimbeiras, como a gente chamava as parteiras. Os dois deram o curso que atingiu todos os três municípios da paróquia: Ipiranga, Santa Cruz e Dom Expedito Lopes”. Na ocasião, estes médicos conseguiram materiais cirúrgicos e medicamentos próprios para assistência nos partos para serem usados na cidade, ajudando assim a reduzir a mortalidade infantil e materna.

Catequização e organização pastoral das comunidades

FOTO:
Padre Albino e a catequista Expedita Maria da Silva durante primeira eucaristia em Ipiranga do Piauí.
Foto: Acervo pessoal de Expedita.

 Foi sob a liderança do Padre Albino que a igreja foi estruturada em Ipiranga, na área urbana e nos povoados. Em discurso na Câmara Municipal, em 2002, por ocasião dos 35 anos da Paróquia, a então vereadora Maria Helenita Rufino Leal Sousa listou ações importantes da igreja para o município. “A organização das pastorais, das comunidades eclesiais de base (cebs), os grupos de reflexão, oração, a formação permanente de agentes pastorais, os encontros, as assembleias, os estudos, as celebrações: eucarísticas, cultos dominicais, sacramentos, a presença da igreja em cada comunidade, são elementos que se juntam num elo de formação do povo, sendo visível essa presença no jeito de ser, no comportamento do povo, cuja referência de povo trabalhador, lutador, responsável, pacífico, acolhedor, um povo cheio de esperança que tem sede de justiça, de liberdade, tem muito a ver com o novo jeito de ser igreja”.

O primeiro curso de catequese foi feito pelo Padre Albino, em fevereiro de 1968, e reuniu representantes de Santa Cruz, Dom Expedito Lopes e Ipiranga e das comunidades do interior destes municípios, evento que marcou o início da Ação Pastoral.

Outra ação evangelizadora importante implantada pelo Padre Albino foram os Círculos Bíblicos, inspirado em uma experiência de ação pastoral religiosa que ele conheceu em visita a Caratinga, em Minhas Gerais. Ele foi ainda professor da disciplina Organização Social e Política Brasileira (OSPB), no antigo Ginásio da cidade

Padre Albino sempre teve a preocupação de promover ações evangelizadoras por todo o território do município e, frequentemente, visitava as comunidade rurais, tendo, inclusive, instalado galpões e capelas nestes lugares. “Eu criei muitos galpões, à semelhança do de Ipiranga, nas comunidades Brejo da Fortaleza, Furta-Lhe Volta, Cocos e no Canto eu também cheguei a criar um galpãozinho com os jovens, pois não tinha lugar onde eu pudesse fazer as reuniões. Implantei as catequeses e os encontros dominicais em toda região”.

            O trabalho de evangelização em Ipiranga contou com o apoio de muitas pessoas, principalmente, de mulheres que se dedicaram a colaborar com o centro e a casa paroquial. Nos primórdios da instalação da paróquia ajudaram muito as irmãs Lopes, especialmente Maria de Oliveira Lopes, conhecida como Maricas. As donas de casa que residiam no entorno da Igreja, como Dazinha Carvalho, Ana Rufino Leal, Rita Siqueira, Naná Borges e outras, ajudavam na alimentação do padre.

Cândida Regina Moura Santos, conhecida como Donita, dona de uma pensão, por muito anos coordenava as atividades na Igreja e concedeu um ano de hospedagem ao padre e também as refeições naqueles primeiros anos em que Albino chegou em Ipiranga.

Na casa paroquial, trabalharam como empregadas domésticas: dona Leovina, dona Maria, oriunda de Buriti Grande e a senhora Maria do Carmo da Silva, conhecida como Cala. Nas atividades paroquiais, a primeira secretária foi Maria das Mercês Pereira, depois vieram Maria do Socorro Bulcão, conhecida como Cocota; Lecy Pinheiro e Marinete de Sousa Santos Carvalho. Na entrevista, Padre Albino lembrou ainda de Maria da Cruz de Carvalho Mota e o seu trabalho como catequista. Outras tantas pessoas foram significativas nesta jornada.

Atualmente, Padre Albino reside na casa de sua família, no Centro da cidade de Floriano, juntamente a duas irmãs, uma delas freira. Foi nesta casa que ele concedeu entrevista para esta autora, no dia 8 de julho de 2022.

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Padre Albino na sua casa em Floriano – Piauí, julho de 2022.

Fontes:

Decreto de criação da Paróquia Nossa Senhora da Conceição. Oeiras – Piauí, 15 de setembro de 1967.

MENDES, Albino de Carvalho. Entrevista concedida à Daiane Rufino. Floriano, 8 de junho de 2022.

SOUSA, Mª Helenita Rufino Leal. Discurso pronunciado na Câmara Municipal de Ipiranga do Piauí. 19 de novembro de 2002.

Termo de instalação da Paróquia Nsa. Senhora da Conceição e Ata da posse do primeiro vigário de Ipiranga do Piauí. Ipiranga, 1º de outubro de 1967.