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Maquiavel não conheceu Sussuapara

Por Lucas Bezerra
Acadêmico de Psicologia

“A minha vida não tem muita fórmula, minha vida vai acontecendo. A gente tem vontade de fazer as coisas e faz. Fazer é simples, porque a gente é simples”. (Zeca Pagodinho)

Assisti com muita atenção uma entrevista do presidente Lula num podcast famoso do nosso Brasil. Ouvir o Lula é observar uma classe de políticos que está em extinção. Restam poucos. Quase nada. O presidente assumia uma postura que só a idade, e com raras exceções que escapam dela, podem trazer: Real conhecimento de sua história. Saber de onde saiu, é talvez a peça mais importante de todo um empreendimento em busca do autoconhecimento legítimo e sincero. Como diz ele, o Lula não é um presidente que olha de cima para baixo. O Lula é cada um que chegou lá.

Se Brasília é a capital do Brasil, a cidade de Sussuapara- no interior do Piauí- é a terra onde não somente tudo acontece, mas onde tudo o que acontece tem uma ponta de originalidade. É a Saramandaia piauiense. Quer algo mais esquisito e bizarro, principalmente para a política nos dias de hoje, que a autenticidade? A Sussuapara é a típica cidade que a Globo adora retratar em seus folhetins, mas com um diferencial; não sabemos o capítulo seguinte.

Estive na Sussuapara no fim Junho deste ano. O convite sempre parte do Enthony Torres, advogado e um grande amigo, colecionamos histórias e boas lembranças de algumas aventuras já vividas. Entre convites e aventuras, mais uma vez tenho a oportunidade de estar em um evento genuinamente sussuaparense. Uma figura quase que mística na cidade me aparece. Edvardo Antônio da Rocha, ex-prefeito da cidade, o famoso “Pé Trocado”, apelido que carrega há muitos anos. Bebe algumas doses de cachaça, brinca com os cidadãos sem olhar a patente, canta Raul Seixas numa homenagem em lupin infinito, abraça todos como se o abraço fosse uma extensão de sua consideração. Mais tarde um pouco, converso com a atual secretária de educação, Jesuíta Araújo, esposa de pé trocado e uma gentil mulher que acompanha o marido nesse diálogo sem enfeites para com as pessoas. Canto com ela uma música da Alcione diante de amigos e conterrâneos do município. Ela cantou bem no Karaokê, e eu acompanhei admirado. Educadamente chamo ela de tia. O casal oxigena o que se deveria esperar de toda pessoa pública. Eles são realmente públicos, pois são com o povo. A Sussuapara está viva, e assim ficará por muitos e muitos anos. Teresina é a referência política do Piauí. Sussuapara é o próprio povo do Piauí.

Não conheço o Lula pessoalmente, mas conheço um pouco das peripécias do Pé Trocado, e estes dois só reafirmam o que escrevi mais cedo; essa classe autêntica de políticos está em extinção. Pois o princípio básico da política é o bem estar da polis e de todos que residem nela. O político é o seu próprio discurso, é o que podemos chamar de “ser em si mesmo”, é justamente a fusão necessária e sem diferenciações do que se promete para uma cidade na ressignificação do seu povo. Fazer algo pela cidade, não é somente ajudar seu povo, ou melhorar algo para o aproveitamento. O autêntico político quando faz algo pela cidade, ele automaticamente imprime as vanguardas do município em seus habitantes e vice versa, como um complemento fundante de um eterno ciclo. Nestes momentos, observo com tristeza o pessimismo da filosofia maquiavélica. O filósofo Maquiavel não conheceu a Sussuapara, muito menos Pé Trocado. Não lhe foi dado a oportunidade de operar a estrutura de um bom político. Criou na dialética do medo e da força coercitiva da opressão um meio para o governante deter o poder. Entretanto, comungo da teoria política que delibera acerca do poder não como um instrumento de durabilidade num governo, mas como uma característica de atemporalidade, quando bem usada.

A questão não é ser amado ou querido, mas ser participativo como é Pé Trocado na mesma proporção do Lula. Participar da polis, é deixar-se marcar pelas impressões de seu povo a partir de uma ótica sincera de quem é você mesmo quando não precisar agradar para conseguir algo. Pé Trocado não precisa agradar ninguém, dona Jesuíta também não precisa agradar ninguém. O povo já os agradou na oportunidade de cada um poder ser uma extensão da simplicidade do bom governante. Maquiavel não conheceu a Sussuapara, os políticos do Brasil a fora não investiram tempo no dinamismo político do Edvardo Antônio da Rocha. Mas a Sussuapara se conhece, e seus habitantes comungam dessa sabedoria. A Sussuapara está aí. Aos olhos de quem quiser ver, ainda existe autenticidade política. Nada melhor que Raul Seixas nessas horas:

Quando eu te escolhi
Para morar junto de mim
Eu quis ser tua alma
Ter seu corpo, tudo enfim
Mas compreendi
Que além de dois existem mais