“É uma alegria estar escondido, mas um desastre não ser achado” (Winnicott)
Por Lucas Bezerra
Acadêmico de Psicologia
Antes de trabalhar, me dou ao luxo de ler as últimas notícias do Brasil e do mundo nas primeiras horas da manhã. Sempre considerei que um dos princípios básicos para sair da ignorância é ler. Aliás, é filtrar o que se lê. Saindo de uma notícia sobre política- um dos meus assuntos favoritos- deparo-me com outro tipo de notícia onde logo fiquei curioso para ler. A notícia aborda uma determinada figura internacional do meio mainstream que padecia de fortes críticas advindas de sua mãe. O motivo? A mãe desaprovava suas sessões de terapia. Respirei fundo. Fiquei perplexo, mas não surpreso.
Ainda sobre a notícia, um determinado trecho me chamou atenção. A celebridade- e para alguém ser celebridade é só inventar alguma coisa que viralize- alegava que sua mãe não estava feliz pela mesma fazer terapia, pois temia que essa mesma terapia mudasse a relação entre mãe e filha. A notícia dava detalhes dos motivos que fizeram a celebridade procurar ajuda mental especializada, e outras questões de seu histórico familiar. Não escreverei sobre essa parte. Minha intenção é outra.
Serei o chato que escreverá algumas sentenças sem romantizações. E você, caro leitor, ficará com o papel de ler, após encarar alguns fatos. Inclusive, espero que você não seja o alvo de minhas críticas, e que sua consciência fique tranquila durante a leitura. Lembremos de Freud quando falara certa vez: “Qual a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?”. Antes de passar sua vista nas próximas linhas deste texto, reflita um pouco. Seja sincero consigo mesmo. Desnude-se em seus próprios dilemas.
Segundo dados da Fuvest, entidade responsável por organizar, desenvolver e aplicar o vestibular da USP- Universidade de São Paulo- Psicologia foi o segundo curso mais buscado em 2024, ficando atrás apenas de Medicina. Na cidade em que vivo, Picos- PI, o curso de Psicologia completou seis anos, desde quando foi implantado. Faço parte da terceira turma à se formar. Privilégio e uma alegria imensa. Todavia, lembra do que escrevi acima? Pois é, lá vem a primeira sentença sem qualquer tipo de romantização: Qual o nível de importância que os alunos de Psicologia colocam no processo psicoterapêutico, começando por eles mesmos fazerem terapia? Afinal, como cuidar da saúde mental de outras pessoas, se nem mesmo cuido da minha? Não falo de um Psicólogo sem problemas, mas falo de um Psicólogo que sabe lidar com suas questões, pois faz uso do mesmo dispositivo pela qual atuará.
Ademais, trago outro questionamento: A busca por terapia aumentou consideravelmente desde a pandemia. Entretanto, recomendamos terapia e fazemos dela uma moda. É chique falar das benesses da terapia, é altruísta recomendar que o outro faça terapia, mas será que nós mesmos fazemos terapia, e se primeiro sentimos a importância disso? Um dos princípios do processo terapêutico é a percepção de que algo está nos afligindo, nos adoecendo, nos angustiando; se não fosse, qual a necessidade da psicoterapia? Sim, é verdade que a psicoterapia nos serve para o autoconhecimento. Mas o que podemos chamar de autoconhecimento? Você quer saber mais de si, apenas aquilo que convém para reforçar o que você chama de atributo, ou quererá também adentrar no mais profundo de suas questões não formuladas, ou mal formuladas?
O processo psicoterapêutico é alvo de todo tipo de procrastinação. Não ter dinheiro, não ter tempo, não sair de sua zona de conforto para não se expor, não reconhecer que você precisa de terapia mais do que qualquer outro indivíduo, o medo de não saber o que acontecerá depois, e assim vai Talvez estes empecilhos, sejam as desculpas mais conhecidas. Por isso, transformamos o processo psicoterapêutico em um somatório de cópias baratas, parodiadas por nossa fantasia própria de melhoria. A terapia, agora, se situa em uma mesa de bar, desabafando com amigos- nem sabendo se continuarão amigos-, está pela desenfreada compra de algum produto que lhe anestesie, está nos falsos condutos de sociabilidade. A família é feliz porque se reúne em datas comemorativas tomando coca cola, e não por resolver seus conflitos e procurar o diálogo. Tudo é terapêutico, pois no fundo não sabemos o que é terapia realmente, e como se dá o manejo psicoterápico. Muita coisa é terapêutica, pois essa “muita coisa” nada mais é que nosso próprio álibi para maquiar nosso rosto marcado de olheiras. Tudo é terapêutico, pois nesse “tudo”, eu posso também ser tudo: psicólogo, paciente, tempo, melhora e alta.
Lembra da notícia, no início desta coluna? É natural que a mãe não queira que a filha faça terapia, pois uma boa terapia implica numa mudança significativa, e muitas pessoas não estão preparadas para perder ou ganhar novas condicionantes e novos paradigmas em sua existência. Tudo é terapêutico. Inclusive, é terapêutico optar por não fazer terapia. Cuidado. Olha o que Vinicius de Moraes cantou na música, “Como dizia o poeta”: Ai de quem não rasga o coração. Esse não vai ter perdão”.