A Câmara dos Deputados aprovou, na última quarta-feira (5), um projeto de decreto legislativo (PDL) que suspende a Resolução nº 258 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). O texto derruba as diretrizes que orientavam o atendimento humanizado a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, garantindo-lhes acesso ao aborto legal, conforme previsto na legislação brasileira.
O projeto, de autoria da deputada Chris Tonietto (PL-RJ), foi aprovado com 317 votos favoráveis e 111 contrários. Por se tratar de um decreto legislativo, a proposta não precisa de sanção presidencial, bastando aprovação no Senado para entrar em vigor.
A resolução do Conanda, publicada em dezembro de 2024, não alterava a legislação existente, mas detalhava como os órgãos públicos deveriam agir para assegurar os direitos de meninas e adolescentes violentadas. Entre as diretrizes, estava o direito de não serem submetidas a gravidez forçada e o acesso ao aborto legal sem necessidade de autorização dos pais ou responsáveis, especialmente em casos em que o agressor faz parte do núcleo familiar.
Retrocesso em direitos garantidos
A legislação brasileira permite o aborto em três situações, sendo elas quando a gravidez resulta de estupro, quando há risco de vida para a gestante ou em casos de anencefalia fetal. Especialistas e entidades de defesa dos direitos da mulher afirmam que a resolução do Conanda tinha como principal objetivo a garantia da aplicação desses direitos já previstos.
Para o relator do projeto, deputado Luiz Gastão (PSD-CE), a norma feria “os direitos e deveres da família”, por dispensar o consentimento dos pais para a realização do aborto legal. Ele também alegou que o direito à vida do feto estaria sendo ameaçado, citando o artigo 5º da Constituição.
Porpem críticos do texto destacam que essa posição ignora a realidade de milhares de meninas estupradas no próprio ambiente doméstico. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que, em grande parte dos casos, os abusadores são parentes próximos (pais, padrastos ou tios), o que torna inviável exigir autorização familiar para interromper uma gravidez resultante de violência.
Reações e críticas
O Ministério das Mulheres divulgou nota em que lamenta a decisão dos deputados e afirma que suspender a resolução é “fechar os olhos para a violência”. Segundo a pasta, o texto do Conanda foi construído com ampla participação da sociedade civil e visava orientar o poder público a garantir o acesso a direitos já assegurados em lei.
“Essa medida não cria novos direitos, apenas organiza o atendimento para salvar vidas. Derrubar a resolução é falhar com as meninas brasileiras”, diz o comunicado.
Nas redes sociais, parlamentares da oposição chamaram o projeto de “PDL da pedofilia”. A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) alertou que o texto “impede que meninas vítimas de estupro sejam informadas sobre seus direitos e proíbe campanhas contra o casamento infantil”.
Por ser um Projeto de Decreto Legislativo, caso o Senado também o aprove, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não poderá vetá-lo. A votação deve ocorrer nas próximas semanas e já mobiliza movimentos sociais e entidades de direitos humanos que prometem pressão sobre os senadores.
Enquanto isso, organizações feministas e de proteção à infância reforçam o lema “Criança Não É Mãe”, frase que marcou as manifestações contrárias ao projeto.
Fonte: O Dia





